O mundo está repleto de rosas de várias cores. Temos rosas da cor rosa, vermelhas, brancas e até alaranjadas. A diversidade na cor das rosas e, em geral, na cor de muitos tipos de flores, deve-se a mutações genéticas, que em sua forma mais básica podem ser definidas como mudanças na seqüência de nucleotídeos (DNA* ou RNA**) de um ser vivo. Para maiores informações sobre as mutações genéticas e como elas nos afetam, você pode ler este post para mais detalhes.
Os vírus*** são propensos a mutações e elas podem até mesmo ser vistas como uma consequência inevitável no ciclo de multiplicação viral [1]. Enquanto os vírus replicam seus genomas, eles tendem a criar erros durante o processo - estes erros são conhecidos como variantes. Na maioria das vezes, estas mutações são neutras ou desvantajosas e os vírus que as possuem são geralmente removidos da população. Entretanto, se uma mutação aumenta a transmissão de um vírus - a facilidade com que ele pode se replicar ou a capacidade do vírus de escapar do sistema imunológico hospedeiro - eles obtêm uma vantagem. Consequentemente, esses vírus podem se tornar a variante dominante em uma população. Essas variantes dominantes são agora consideradas cepas [2]. Essencialmente, todas as cepas são variantes, mas nem todas as variantes são cepas.
Variantes do SARS-CoV-2
Em geral, os vírus de RNA tendem a ter maiores taxas de mutação em comparação com os vírus de DNA porque não há tantas proteínas**** para garantir que a replicação esteja correta - isso é chamado de mecanismo de revisão, ou proofreading em inglês. Entretanto, ao contrário da maioria dos outros vírus RNA, os coronavírus possuem um mecanismo de revisão que reduz a ocorrência de mutações durante o processo de replicação [3]. Apesar disso, desde o início da pandemia, o SARS-CoV-2 tem produzido múltiplas variantes. A Organização Mundial da Saúde (OMS) detectou que existem atualmente 8 variantes diferentes do vírus até o momento. As variantes são ainda divididas em Variantes de Preocupação (VOCs, em inglês) e Variantes de Interesse (VOIs, em inglês) [4].
Variantes de Preocupação (VOC)
A OMS classifica uma variante como uma VOC se ela:
- tem uma capacidade maior de transmissão;
- aumenta a virulência (a capacidade de causar danos ao hospedeiro);
- é mais prejudicial à saúde pública;
- diminui a eficácia das vacinas ou tratamentos disponíveis;
- há mudanças na manifestação clínica da doença. Por exemplo, se a COVID-19 começar a afetar os pés e não os pulmões, levará mais tempo para que os médicos percebam que o paciente tem COVID, atrasando assim o tratamento e dando mais tempo para que o vírus se propague.
Dentro desta categoria estão as quatro conhecidas variantes do SARS-CoV-2, que são variantes chamadas Alfa, Beta, Gama e Delta [4].
A variante Alfa, também conhecida como variante B.1.1.7, foi identificada pela primeira vez no Reino Unido em setembro de 2020, mas não recebeu uma classificação completa de VOC até dezembro de 2020. Tornou-se rapidamente a cepa dominante em circulação na Inglaterra no final de 2020 [5]. Esta variante deve sua maior capacidade de transmissão a 9 mutações em sua proteína spike (S), em comparação com a seqüência genética original do SARS-CoV-2 [6]. Mais informações sobre a proteína S podem ser encontradas em este post.
A variante Beta, ou B.1.351, é mais conhecida como a variante sul-africana. Foi identificada pela primeira vez em maio de 2020, e classificada oficialmente como VOC em dezembro de 2020 [5]. Ela contém 10 mutações na seqüência da proteína S, o que também aumentou sua capacidade de transmissão. Junto com a variante Alfa, a variante Beta também foi capaz de se espalhar globalmente e causou considerável preocupação.
A variante Gamma, ou P.1, é mais conhecida como a variante brasileira. Ela foi identificada pela primeira vez no Brasil em novembro de 2020, e tornou-se oficialmente uma VOC em janeiro de 2021 [5]. Como as VOCs anteriores, há mutações em seu gene para a proteína S (neste caso, 12 mutações). Entretanto, essa mutação confere uma vantagem seletiva. Em outras palavras, ela tem uma maior sobrevivência.
A variante Delta, ou B.1.617.2, é a mais nova VOC e tem ganhado considerável atenção nos últimos meses. Ela foi identificada na Índia em outubro de 2020 e tornou-se uma VOC oficialmente em maio de 2021 [5]. Semelhante às outras VOCs, a maioria de suas mutações está na proteína S. O que torna esta variante tão alarmante é o fato de se acreditar que ela seja mais transmissível do que as outras variantes [7]. Além disso, em comparação com as outras VOCs, as vacinas parecem ser menos eficazes contra ela [8].
Variantes de interesse (VOI)
A OMS designa as VOIs como variantes que [5]:
- possuem mutações genéticas que são previstas ou conhecidas por modificar a capacidade de transmissão do vírus;
- são mais fáceis de diagnosticar e tratar;
- são menos severas, ainda que sejam mais transmissíveis;
- mostram um aumento no número de casos.
Como resultado dessas características, as VOIs são vistas como um risco emergente à saúde pública global que precisa ser monitorado de perto. Existem 4 VOIs classificadas pela OMS:
A variante Eta, que foi identificada pela primeira vez em vários países em dezembro de 2020, presumivelmente devido a sua detecção tardia.
A variante Iota, que foi identificada pela primeira vez nos EUA em novembro de 2020.
A variante Kappa, que foi identificada na Índia em outubro
A variante Lambda, que foi identificada no Peru em dezembro de 2020.
Até agora, as vacinas atuais mostraram neutralizar estas variantes, o que significa que estamos protegidos contra estas novas variantes. Na próxima semana, discutiremos este tópico com mais profundidade.
*DNA - ácido desoxirribonucleico, um dos ácidos nucléicos encontrados nas células vivas. O DNA é formado por 4 nucleotídeos, que podem ser organizados em diferentes seqüências de diferentes comprimentos, como as letras podem ser organizadas para formar textos diferentes. Neste caso, o "texto" definido pela seqüência de nucleotídeos contém as instruções para formar um organismo inteiro. O DNA é normalmente encontrado como um fio duplo pareado, em uma forma conhecida como dupla hélice.
*RNA - Ácido ribonucleico, um dos ácidos nucléicos encontrados nas células. Ele é transcrito do DNA. Existem muitos tipos de RNAs, alguns dos quais podem ter uma função específica controlando ou regulando alguns processos que ocorrem dentro das células, enquanto outros (conhecidos como RNAs mensageiros, ou RNAm) carregam a informação genética que pode ser traduzida em proteínas por ribossomos.
*Vírus - é um agregado de moléculas mais simples do que uma célula. Eles podem ser encontrados no meio-ambiente ou dentro de organismos vivos. Eles têm que infectar uma célula e usá-la para se multiplicarem, já que não podem se multiplicar por si mesmos. Os vírus consistem de ácidos nucléicos (DNA ou RNA), uma cápsula de proteína que contém esses ácidos nucléicos e, às vezes, um envelope externo de lipídios. A gripe, o sarampo, a AIDS e a Covid-19, por exemplo, são causadas por vírus.
*Proteína - uma molécula que forma a estrutura e dá função aos organismos no nível mais básico. As proteínas consistem de aminoácidos, que podem ser combinados em seqüências variadas para formar estruturas protéicas com diferentes funções nas células.
_____________________
Escrito por: Renard
Editado por: María e Natasha
Traduzido por: Alex
Biodecoded é um grupo de voluntários comprometidos a compartilhar informação científica precisa e confiável. Se você tiver dúvidas sobre esse tópico ou se quiser saber mais, comente abaixo ou nos envie suas perguntas.
Referências (em inglês):
Grubaugh, N., Petrone, M. & Holmes, E. We shouldn’t worry when a virus mutates during disease outbreaks. Nature Microbiology 5, 529-530 (2020). https://www.nature.com/articles/s41564-020-0690-4
Lauring, A. & Hodcroft, E. Genetic Variants of SARS-CoV-2—What Do They Mean?. JAMA 325, 529 (2021). https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2775006
Smith EC, Blanc H, Vignuzzi M, Denison MR. Coronaviruses Lacking Exoribonuclease Activity Are Susceptible to Lethal Mutagenesis: Evidence for Proofreading and Potential Therapeutics. PLoS Pathog 9(8): e1003565 (2013). https://journals.plos.org/plospathogens/article?id=10.1371/journal.ppat.1003565
Tracking SARS-CoV-2 variants. World health organization (2021). Available at: https://www.who.int/en/activities/tracking-SARS-CoV-2-variants/ (Accessed: 26th July 2021)
Public Health England. Investigation of novel SARS-CoV-2 variant: variant of concern 202012/01, technical briefing 3. London, United Kingdom: Public Health England; (2020). Available at: https://assets.publishing.service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/950823/Variant_of_Concern_VOC_202012_01_Technical_Briefing_3_-_England.pdf
Zhou, D. et al. Evidence of escape of SARS-CoV-2 variant B.1.351 from natural and vaccine-induced sera. Cell 184, 2348-2361.e6 (2021). https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0092867421002269
Public Health England. SARS-CoV-2 variants of concern and variants under investigation in England—technical briefing 17. London, United Kingdom: Public Health England (2021). https://assets.publishing.service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/997418/Variants_of_Concern_VOC_Technical_Briefing_17.pdf
Planas, D. et al. Reduced sensitivity of SARS-CoV-2 variant Delta to antibody neutralization. Nature (2021). https://www.nature.com/articles/s41586-021-03777-9
Comments